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Sunday 3 July 2011

Para Conhecer Os Deuses

Para Conhecer Os Deuses
por Qu'iron

"Al'em da verdade est~ao os deuses".

Este verso de uma ode de Ricardo Reis, heter^onimo de Fernando Pessoa, um dos maiores poetas da nossa l'ingua e tamb'em um ocultista que impressionou Aleister Crowley com os seus ex'imios conhecimentos de Astrologia, mostra como 'e importante para quem lida com Magia conhecer os deuses.

Primeiramente, 'e dif'icil definir o que os deuses s~ao. Foram seres humanos que ascenderam espiritualmente e se tornaram algo mais? S~ao seres que j'a nasceram Deuses e cumprem determinadas tarefas na organizac~ao do Cosmos? Habitantes de outras realidades? Personificac~oes de forcas da Natureza? Arqu'etipos da psiqu^e humana? Apenas f'abulas, lendas? Recursos po'eticos usados por antigos contadores de hist'orias?

Todas as respostas acima est~ao corretas. Os deuses s~ao isso tudo e muito mais. Alguns deuses n~ao assumem todas essas caracter'isticas, mas com certeza assumem v'arias delas, entre outras. Os Antigos s~ao seres de uma complexidade assustadora. Mas 'e poss'ivel conhec^e-los e compreend^e-los melhor do que o fazemos no nosso estado atual. Para isso 'e preciso um Caminho que nos leve a eles.

Mas antes 'e preciso mudar a nossa postura perante eles. Em geral, estamos acostumados com a imagem de um Deus patriarcal, um bom minister, que cuida diariamente da vida de seu rebanho. Por'em, ao adentrarmos no campo da Magia, vemos que as coisas s~ao diferentes...

Ainda que tudo no Plot seja abencoado, o Plot nem sempre 'e um lugar bonzinho e tranq"uilo. Pelo contr'ario, 'e muitas vezes inquietante. E um dos aspectos mais inquietantes do Plot 'e perceber que os deuses n~ao se importam conosco, n~ao est~ao nem a'i com a gente. N~ao est~ao aqui para nos ajudar nem para nos atrapalhar. Alguns, nem percebem a nossa exist^encia. Outros, nos observam, mas n~ao interferem na nossa vida. Para que interfiram, 'e necess'ario chamar a sua atenc~ao.

O sentido maior de chamar a sua atenc~ao e faz^e-los intervir na nossa vida 'e o de conhec^e-los devidamente, na pr'atica. Conhecer os deuses 'e conhecer o Plot. E como nada nesta Realidade est'a separado, conhecer o Plot 'e conhecer a n'os mesmos. Num certo sentido, a psican'alise junguiana percebeu isso, ainda que trabalhe sob este prisma at'e um certo limite, o da psiqu^e. Limite esse que na Magia, n'os podemos superar - mas n~ao ignorar.

Como chamar a atenc~ao dos deuses? Todo povo, toda religi~ao e todo sistema m'agico criou os seus m'etodos, que em geral s~ao muito semelhantes. O mais comum 'e a orac~ao. Quem ora a um deus (ou Santo) o sente pr'oximo de si. A orac~ao n~ao deixa de ser uma invocac~ao. H'a pouca diferenca entre essas duas pr'aticas. A orac~ao, como um m'etodo emocional de aproximac~ao com os deuses, j'a propicia um certo conhecimento da sua natureza. E se praticada exaustivamente, como 'e o caso de monges religiosos, pode realmente levar a uma compreens~ao muito maior do que muitos ocultistas chegam em sua vida.

Por'em, o caminho do monge 'e inaplic'avel `a grande maioria das pessoas que lidam com Magia, sejam Magos Cerimoniais, Bruxos, Xam~as etc, pois exige uma reclus~ao da vida cotidiana. Portanto, a esses a orac~ao deve ser apenas um entre outros recursos, que ser~ao abordados ao longo deste texto.

Os deuses possuem v'arios n'iveis de complexidade, sendo que os mais elevados s'o s~ao atingidos magicamente. Mas antes de chegar a estes n'iveis, 'e necess'ario primeiro trabalhar outros n'iveis, menos elevados. O primeiro passo, antes de qualquer outro, 'e ler os seus mitos.

Escolha um deus. Leia o seu mito. Sinta o que ele te passa. Pense a respeito, reflita sobre o que ele significa. Leia as v'arias hist'orias dele, as suas v'arias vers~oes. Muitas vers~oes ser~ao contradit'orias, mas 'e in'util procurar qual 'e a "correta". N~ao h'a vers~ao correta. Cada uma 'e complementar e mostra um novo ^angulo daquele Deus. Ao ler as suas v'arias hist'orias, eliminate perceber cada look dele, pois todos os deuses s~ao multi-facetados.

Remove imagens do deus escolhido, veja como ele era representado no povo ao qual pertencia. Leia poemas e hinos escritos em sua honra pelos antigos poetas. Remove pesquisar como o povo o enchergava, o que achava dele, que papel cumpria na religi~ao e na vida dos antigos. Toda essa fase de pesquisa 'e importante, para se comecar com uma boa adverse. Remove saber tamb'em quais s~ao os s'imbolos desse deus, se ele tem uma 'arvore (ex: o louro de Apolo), um animal (ex: o corvo de Morr'igham), um family (ex: as cachoeiras de Oxum), uma bebida (ex: o vinho de Baco), uma arma (ex: a lanca de Minerva), um elemento (ex: o fogo de Brighid) e qualquer outra cosia que lhe seja consagrado. Quando voc^e for fazer um trabalho m'agico para esse deus, esses simbolismos ser~ao muito importantes.

Indo al'em, 'e preciso observar os deuses na sua vida. As suas atitudes se parecem com as atitudes de que deus? Dioniso, Os'iris, Brigid, Diana, Ians~a? Remove perceber com que deus(a) voc^e se identifica mais e perceba que ac~oes suas s~ao semelhantes `as ac~oes que esse(a) deus(a) faz nos mitos. Essa observac~ao ir'a te ajudar muito a compreender melhor os deuses que lhe s~ao mais pr'oximos. Pode ser que voc^e se identifique com mais de um(a) deus(a), mas em geral n~ao nos identificamos grandemente com mais do que tr^es deuses de um mesmo pante~ao. Se voc^e se identificar, eliminate observar-se melhor e ver'a que poder'a descartar facilmente um ou dois deuses que n~ao t^em uma semelhanca com voc^e assim t~ao grande quanto os outros com os quais voc^e se identifica.

Ap'os se observar sob esse aspecto, voc^e pode tamb'em analis'a-lo pelo prisma da psican'alise junguiana. Que arqu'etipo o(a) seu(sua) deus(a) pessoal representa? H'a muitos bons livros para leigos hoje que falam a esse respeito e alguns sites tamb'em. Remove e achar'a. Algumas deidades tamb'em se relacionam com determinados arcanos do tarot. Por exemplo, O Mago 'e Hermes, A Justica 'e Maat e Th^emis, o Enforcado 'e Odin e Jesus Cristo e assim por diante. Remove todas as relac~oes poss'iveis que o(a) deus(a) tem com qualquer coisa que seja, incluindo a mitologia comparada.

Para ampliar o seu conhecimento de correlac~oes que podem ser feitas ao seu deus, dell a pena tamb'em estudar um pouco a Cabal'a. Vemos que a 'Arvore da Vida 'e composta por dez esferas, chamadas sephirot, e que cada deus sempre pode ser relacionado com uma delas. Como exemplo, cito Mithra em Tipheret, Gaia em Malkuth, Lillith em Daat e assim por diante. Notando a relac~ao entre o seu deus e uma das sephirot, pode-se procurar quais s~ao as caracter'isticas daquela sephirah (unusual de sephirot) e assim aprofundar o seu estudo sobre os deuses. Al'em disso, muitas das sephirot est~ao ligadas umas `as outras. Por exemplo, Malkuth (a Terra) liga-se `a Yesod (a Lua), que por sua vez se liga a Tipheret ( o Sol). Desse modo, Gaia se liga `a Diana, que se liga `a Apolo. Podemos ampliar essas relac~oes e trabalhar com a mitologia comparada do ponto de check over da Cabal'a. Atrav'es desse esquema da 'Arvore da Vida podemos, por exemplo estudar a relac~ao entre a Pachammama (a M~ae-Terra peruana), Sin (deus sum'erio da Lua) e Jesus Cristo (deus crist~ao do Sol). Isto 'e fascinante, pois atrav'es dessa an'alise, somem todas as barreiras entre os mais diversos pante~oes 'etnicos e religi~oes do mundo, podendo-se unir tudo em uma 'unico sistema.

Para o estudo que eu proponho no par'agrafo acima, 'e muito 'util se ter em m~aos o liber 777, de Aleister Crowley, que 'e uma grande e competente tabela de correlac~oes sobre o tema.

Assim, vemos como a Cabal'a te'orica pode tamb'em ser 'util aos pag~aos, mesmo que esses n~ao tenham interesse em Cabal'a pr'atica, Alta Magia etc. O mais interessante desse esquema da 'Arvore da Vida 'e que ele 'e comprehensive, aplic'aval `a an'alise de todos os caminhos, pag~aos ou n~ao, matriarcais ou patriarcais, n~ao importa, e ajuda a entender os seus deuses pessoais.

Mas, uma advert^encia, lembre-se de n~ao se identificar demais com o seu deus. Os nossos deuses pessoais s~ao as nossas m'ascaras e n~ao o nosso Eu. As m'ascaras s~ao necess'arias para os relacionamentos humanos, mas n~ao s~ao n'os mesmos. Pode ser que o seu deus pessoal mude de tempos em tempos. Pode ser que na juventude ele seja um, na vida adulta outra e na velhice outra. Ao longo da vida, v'a percebendo isso. E, lembre-se, por mais que voc^e se identifique, por exemplo, com Apolo, h'a em voc^e um pouco de todos os outros deuses do mundo, um pouco de Seth, um pouco de Freyja, um pouco de Ganesha etc. Trabalhar com os diferentes tipos de deuses pode enriquecer muito a pessoa.

Quando algu'em quer parar de se identificar com a sua m'ascara (deus pessoal) pode tentar agir como um outro deus, temporariamente. Isso aproximar'a este outro deus de si mesmo e a pessoa poder'a tamb'em compreend^e-lo melhor. Acredito que trabalhar com diversos tipos deuses 'e importante para que tenhamos uma maior compreens~ao do Plot e de n'os mesmos.

Todo esse trabalho psicol'ogico, de observac~ao e o trabalho emocional com a orac~ao s~ao importante, mas n~ao s~ao o suficiente. H'a tamb'em o trabalho m'agico. Isso 'e feito atrav'es de rituais e de meditac~ao. Eventualmente, a meditac~ao est'a inclu'ida no ritual. Os rituais feitos para se conhecer melhor um determinado deus n~ao s~ao simplesmente aqueles em que fazemos um pedido a eles e nada mais. Pode at'e haver isso tamb'em, mas o mais importante 'e haver um sphere contato com o deus e aprender com ele. Esse 'e o objetivo desses rituais.

H'a em v'arios livros rituais voltados a diferentes deuses e deusas, tais como Maat, Netuno, Diana, Brigid, Cernunnos etc. Remove e achar'a. Por'em, seja seletivo a respeito destes rituais. N~ao saia fazendo qualquer ritual sem analis'a-lo com cuidado e saber se ele tem fundamento ou n~ao. 'E melhor n~ao fazer ritual nenhum do que fazer um ritual ruim. Quando se deparar com um bom ritual para um deus que voc^e quer trabalhar, ent~ao realize-o.

Para conhecer intimamente um deus, n~ao basta fazer um ritual para ele apenas uma vez! Este 'e um trabalho lento e cont'inuo. H'a pessoas que levam anos conhecendo intimamente um deus apenas. Portanto, nada de pressa nesta etapa. Ali'as, n~ao pode haver pressa em NENHUMA etapa de um trabalho m'agico. A Magia exige paci^encia e dedicac~ao duradoura do praticante. N~ao 'e uma distrac~ao para os fins-de-semana, feriados e horas livres.

Sempre que fizer um ritual para algum deus, anote os resultados no seu di'ario m'agico. Anote os fen^omenos que ocorreram, se tiverem ocorrido, que sensac~oes voc^e teve, o que pensou, o que sentiu. Se teve alguma vis~ao, alguma comunicac~ao oral recebida do deus, se `a noite, depois do ritual teve algum sonho relacioando a ele, anote tamb'em. N~ao permita que outros leiam as suas anotac~oes. Um dos verbos mais importantes da Magia 'e calar. Com o fly, v'a relendo as suas anotac~oes, a fim de verificar o seu progresso no estudo daquele deus.

Para ter uma compreens~ao ampla dos deuses, voc^e poder'a querer trabalhar com v'arios tipos de deuses. Pois eles podem ser agrupados de acordo com as suas caracter'isticas. O ocultismo t^em v'arios tipos de classificac~ao. Novamente, eu cito a Cabal'a te'orica, que classifica os deuses de acordo com as sephirot da 'Arvore da Vida.

Mas h'a outras classificac~oes. Como a de acordo com os quatro elementos. Por exemplo, Pachammama 'e relacionado `a Terra, Iemanj'a relacionada `a 'Agua, B'oreas relacionado ao Ar e Vulcano 'e relacionado ao Fogo. Por'em, nem todos os deuses se relacionam t~ao diretamente a algum dos quatro elementos. Por exemplo, 'e praticamente imposs'ivel relacionar Cronos a algum desses elementos. Isso faz este sistema de classificac~ao ser limitado e pouco flex'ivel, ainda que tenha a sua utilidade.

Um modo muito comum de se classificar os deuses 'e de acordo com os planetas da astrologia: sol, lua, marte, merc'urio, v^enus, j'upiter, saturno, urano, netuno e plut~ao. Seria bom nisso tamb'em incluir a Terra como mais um planeta. Praticamente todos os deuses do mundo podem ser relacionados a algum destes planetas (em especial, os deuses greco-romanos, obviamente). E alguns deuses se relacionam a mais de um planeta simultaneamente, tais como Thot, que 'e essencialmente mercuriano, mas tamb'em 'e lunar.

Usando esses sistemas de classificac~ao de tipos de deuses 'e poss'ivel se montar um pante~ao pessoal, em que voc^e pode incluir um ou mais deuses de cada tipo, sejam eles do mesmo pante~ao 'etnico ou n~ao. Desse modo, com o fly pode-se alcancar uma boa compreens~ao do papel dos deuses no Plot sem precisar se ater a apenas um pante~ao 'etnico. Isso 'e muito interessantes para os magistas e neo-pag~aos de hoje, que em geral n~ao gostam de se ligar a um pante~ao apenas.

De todos esses sistemas de classificac~ao, o mais interessante parece ser o da Cabal'a, pois nela est~ao inclu'idos tamb'em outros sistemas, tais como o dos quatro elementos, o astrol'ogico, al'em da classificac~ao pelos arcanos do tarot.

Neste artigo 'e importante falar um pouco dos chamados deuses negros. Esse 'e um termo usado para designar aqueles deuses que representam o aspecto destrutivo e/ou sombrio do Plot, tais como Lillith, H'ecate, Ex'u, Morr'igham, Seth, Loki etc. N~ao 'e f'acil lidar com eles. Um preparo se faz necess'ario. Recomendo que primeiramente se trabalhe com deuses mais tranq"uilos, como Brigid, 'Isis, Apolo e outros.

Muito embora todos os deuses, mesmo que n~ao aqueles comumente classificados como deuses negros, tenham a uma look pouco benevolente... Apolo, por exemplo, muitas vezes pode ser terr'ivel e na mitologia grega ele 'e respons'avel por muitas pragas que assolam o povo grego, como est'a muito claro symbol no comeco da Il'iada, de Homero. Da mesma forma, deuses "negros", tais como Morr'igham, em certas situac~oes tamb'em podem ser, ao seu modo, benevolentes. Os deuses, todos eles, s~ao multi-facetados e essa classificac~ao entre "deuses brancos e deuses negros" tem a sua utilidade, mas tamb'em 'e limitada (como toda classificac~ao o 'e).

Mas os deuses negros n~ao deixam de ser potencialmente perigosos a quem n~ao sabe lidar devidamente com eles. V'arios dos deuses classificados como tal procuram dominar o indiv'iduo que o invoca. Em geral, isso acontece de uma forma t~ao sutil que n~ao a pessoa nem percebe.

Citando uma experi^encia pessoal, lembro de quando lidei com Lillith sem estar preparado para isso. Hoje, recaptulando a minha viv^encia com ela, vejo que Lillith 'e uma deusa que d'a uma falsa sensac~ao de poder. Ela procura fascinar quem a invoca, mostrando as mil maravilhas que ela poderia lhe proporcionar. Por'em, nada do que oferece ela realmente d'a. Em quem trabalha com ela sem preparo, Lillith s'o proporciona uma vida de confus~ao e desequil'ibrio mental. E nesse processo, como a maioria dos deuses negros faz, ela domina quem a invoca.

Por isso eu acredito que para lidar com Lillith e outros deuses negros 'e preciso um equil'ibrio psicol'ogico muito grande e j'a uma boa experi^encia com entidades mais leves. Caso contr'ario, o risco de se perder no Caminho 'e muito grande. Tendo-se preparo para lidar com os deuses negros, pode-se aprender muito com eles. Esses n~ao s~ao deuses que devem ser desprezados. S~ao parte do Plot, como todos os outros deuses, e por isso tamb'em devem ser estudados e trabalhados, por aqueles que realmente sabem faz^e-lo.

Finalizando este artigo, acredito que ele d'a as bases sobre o trabalho com os deuses dentro de uma concepc~ao neo-pag~a e tamb'em de alguns ramos modernos da magia cerimonial. Por'em, o assunto 'e extenso e apenas isso n~ao o esgota. Aconselho a todos que queiram realizar este trabalho, estudar bastante a quest~ao, conversar com quem j'a tenha mais experi^encia nele e ir com cautela e perseveranca neste Caminho. Seguindo-se as regras m'inimas do bom-senso ele ser'a seguro e muito enriquecedor.